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O fotógrafo indonésio Dikye Ariani foi o vencedor do CEWE Photo Awards 2023 cuja cerimônia foi realizada em Hamburgo, na Alemanha, em setembro. Levou pra casa um prêmio de US$ 25mil, mas provavelmente vai ter que devolver esse dinheiro. A foto em questão foi feita em um estúdio como parte do lançamento de uma câmera na Indonésia em 2022. Tudo veio à tona quando o próprio dono do estúdio viu que um dos particpantes do evento naquele dia havia ganho o prêmio.

 

Como a discussão não é nova, desta vez ela voltou com força dado o valor do prêmio. Fotos encenadas poderiam participar de concursos fotográficos? Não são raros os casos. Abaixo estão mais alguns exemplos, inclusive o do brasileiro Márcio Cabral que precisou devolver o priemio do primeiro colocado no Wildlife Photographer of the Year de 2017 depois de ter usado um tamanduá empalhado na sua imagem, segundo a organização.

Tem um video muito legal do Thomas Heaton, fotógrafo inglês, onde ele comenta sobre uma série de fotos forjadas em concursos de fotografia. Confere aqui.

Tamanduá empalhado que pode ser visto no centro de visitantes do Parque Nacional das Emas e que foi utilizado na foto.

Eu deixo os concursos de lado. Na minha opinião duas coisas são mais importantes. A primeira delas é que as pessoas perderam a capacidade de analisar se determinada imagem é crível ou não. Chama muito minha atenção também como ficam impressionadas ao descobrirem que determinadas foto foi encenada ou manipulada. Mas o pior de tudo é o próprio fotógrafo criar uma reputação a partir de fotos manipuladas, seja na forma de montar situações que não existiram ou alterar a imagem digitalmente na pós-produção. E isso que ainda não tivemos nenhum grande caso onde também esteja envolvida a inteligência artificial.

Da série de fotos famosas, talvez a mais conhecida seja o beijo em Paris (Kiss by the Hotel de Ville) de Robert Doisneau. A foto foi feita em 1950, mas ficou conhecida nos anos 80. Um casal, se aproveitando da fama da imagem, cobrou direitos de imagem de Doisneau que, para evitar o processo, foi obrigado a confessar que contratara amigos para simular o beijo.

Na minha opinião, o pior de todos os casos é de Steve McCurry que sempre se estabeleceu como um fotojornalista, retratando a vida real. Sua reputação ruiu após um serviço muito mal feito, provavelmente de propósito, de manipulação das imagens numa exposição de fotos de Cuba.

Com aquele evento, vasculharam seu portfolio e descobriram coisas absurdas como a imagem acima. Reparem que além de eliminar dois garotos da cena, ainda recriou a mão cortada do menino na extrema direita da imagem. Um homem a frente do seu tempo, se quisermos ser irônicos, pois ele já usava o Generative Fill, preenchimento automático baseado em inteligiencia artificial (aqui tem um link do post onde falo sobre esse recurso), lançado recentemente pela Adobe.

Detalhes como estes da foto acima podem não parecer muito, mas são eles que transformam uma boa imagem em ótima. Quantos fotógrafos não se desiludiram com suas próprias imagens quando comparadas com às fotos dos mestres. Mal sabiam eles que alguns destes nomes não eram confiáveis. Simplesmente imperdoável.

Por outro lado, uma foto que muitos acreditam tenha sido encenada é o hasteamento da bandeira em Iwo Jima em 1945. Na realidade,  Joe Rosenthal fotografou a segunda bandeira que foi erguida, maior que a primeira, a pedido de algum militar de alta hierarquia. O boato se deve muito por causa da inveja de alguns concorrentes, uma vez que tal imagem estampou as capas dos principais jornais.

Sempre comentei com alunos que nunca foi necessário o uso de aplicativos como Photoshop para mentir através de imagens. Animais de cativeiro estampam capas de livros como se as fotos tivessem sido obtidas no habitat natural. Também a simples escolha da lente ou do ângulo já podem ser suficientes para alterar a narrativa. Não vejo problema algum em usar a tecnologia para fazer  alterações nas imagens, mas é necessário informar que tais recursos foram utilizados e não deixar a entender que sua produção é um registro jornalístico. Numa época onde a inteligência artificial representa um grande perigo pela facilidade de criar falsas realidades, é preciso ter senso crítico ao avaliar qualquer imagem.